terça-feira, 4 de agosto de 2009

… Ela acaba quando nosso corpo e alma se vão ou quando tristemente deixamos de sonhar

marinasilva_pequenosmundos                                     Foto: Marina Silva (pequenos mundos)


A MENINA E OS POTES DE SONHOS
Norma Santi

Era uma vez uma menina que habitava o corpo de uma mulher. Mas de tempos em tempos a menina se sentia cansada. Parecia-lhe mesmo que o mundo andava às avessas. Como menina, cultivava seus sonhos, colocava-os empilhados em pequenos potes. Acreditava que assim poderia abri-los e que a cada dia o mundo se revestiria de poderes mágicos e transformaria seus sonhos mais secretos em realidade. Um mundo assim seria uma sucessão de desejos e encantamentos. O dia só poderia começar e acabar por uma força superior interessada em realizar seus pequenos caprichos de menina.

Mas os dias passaram indiferentes à sua vontade e duramente lhes ensinaram que a vida depende do que é concretizado pelo esforço das próprias mãos. Descobriu que o dia começa e termina com o sol e que ele brilha para todos. Ou ao menos deveria ser assim. Em seu pequeno mundo eram tantas as tarefas diárias que se esquecia de ver o sol despertar e adormecer. Esqueceu de ver que desabrochara a flor que outrora plantou. Seus potes de sonhos ficaram num canto qualquer da casa em que habitavam seus desejos. Fechados juntavam os pós dos dias. As marcas do tempo. Aguardavam pacientemente que terminassem as tribulações da menina. Assim como a menina, os sonhos são imortais. Existe uma menina infinitamente em cada mulher. E é e nela que se encontram os sonhos. Mesmo quando adormecidos.

Um belo dia a mulher em que mora a menina, resolveu fazer uma faxina na alma. Colocou sobre a prateleira da vida cada um de seus potes de sonhos. Verificou o prazo de validade. Observou-os atentamente. Aprendera a não consumir nada que já estivesse vencido. Surpreendeu-se com o fato de os sonhos não serem tão práticos assim. Não havia neles prazo de validade. Tão pouco datas de fabricação.

Agora não tinha outro jeito. Só saberia se abrisse os potes. A sua experiência lhe diria os que ainda poderiam ser consumidos. Abriu o primeiro. O sonho se revelou algo familiar. Viu nascer um menino. E o menino dormia tranquilamente sobre sua barriga. Abriu o segundo e uma menininha lhe sorriu. Percebeu que por ali havia passado o condão mágico dos tempos. Os potes guardavam as memórias dos sonhos que haviam se realizado. Compreendeu que mãos e sonhos andam juntos. Havia potes vazios e concluiu que deveriam pertencer aos sonhos que tinham se perdido. Havia os que lhe causavam estranheza.

Jogou fora os potes vazios. Guardou com carinho os que traziam dentro de si as mais ricas lembranças. E bem pertinho dos olhos deixou os carregados de mistério. Sorriu. Sabia que esses poderiam se transformar em potes de lembranças ou se esvaziar de sentido. Resolveu alimentá-los. Os sonhos se alimentam do brilho de nosso olhar. Eles são a nossa esperança. É por isso que se diz que a esperança é a última que morre. Ela acaba quando nosso corpo e alma se vão ou quando tristemente deixamos de sonhar.

Fonte: normasanti.blogspot.com

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