terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A FLOR DO SONHO
Florbela Espanca


A Flor do Sonho, alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!...
Milagre... fantasia... ou, talvez, sina...

Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!...

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa de minh′alma
E nunca, nunca mais eu me entendi...

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© FLORBELA ESPANCA
In Livro de Mágoas, 1919
Imagem: Anna Homchik

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

 

“Se não houver frutos
Valeu a beleza das flores
Se não houver flores
Valeu a sombra das folhas
Se não houver folhas
Valeu a intenção da semente"

© Maurício Francisco Ceolin
In Saudade da Tribo, 2000
In Mar de Palavras: Poesias reunidas - Sinpro ABC

Henfil cita no seu livro “Diretas Já!” (Ed. Record, 1984), à pag 63:

Um dia em Jundiaí um puro, ao ouvir meu OPTEI pela organização do povo, me deu os seguintes versos, que passo adiante

Parar ser lido dia 22 de novembro de 1982

Se não houver frutos
Valeu a beleza das flores
Se não houver flores
Valeu a sombra das folhas
Se não houver folhas
Valeu a intenção da semente.

PALAVRAS DO AUTOR:

"Em 1982 eu estava levando o fora da minha mulher, minha namorada recente na época. Então escrevi uma carta de despedida para ela, a qual continha estes versos, parte de um poema maior. Ela mostrou para alguém, que mostrou para outros... Nesta época o Henfil fazia a propaganda do PT que ia disputar sua primeira eleição. Um dia ele foi a Jundiaí e deram os versos a ele. Segundo ele me disse depois, pensou que se tratava de uma referência ao PT, naquela época ainda uma semente. Assim ele publicou os versos dentro de uma de suas “cartas a mamãe, na página da revista Isto é que ele assinava na época”. Lá ele diz que recebeu os versos de um "puro em Jundiaí”, mas esta parte ninguém leu e por isso se atribui a autoria a ele.
Esta é a história.

Mauricio Francisco Ceolin
Chico Ceola (como é conhecido).

 

Fontes:

Comunidade “Afinal, quem é o autor:” >> http://goo.gl/4p2KE

Rosängela Aliberti >> http://goo.gl/3hOfQ

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Padre Fábio de Mello

Somos muitos, mesmo sendo dois!
Eu queria ser poeta, conhecer o ofício de recolher palavras. Realizar a proeza de desvendar silêncios e descobrir o que o outro fala mesmo quando ele não diz.
Eu queria ser amigo dos versos, possuir asas que à inspiração pertencem. E alcançar a palavra que possa ser a tradução do amor que sinto por você.
Mas de poeta eu só possuo os óculos. Óculos são instrumentos que ampliam a visão. O amor também. E já que não sou poeta o amor é o que me resta.
Desde quando a vida me permitiu conhecer você, tenho experimentado a beleza do significado da amizade.
Quando nossos caminhos se encontraram foi a primeira vista. Depois daquele encontro meu mundo ficou mais bonito.
Sua presença quando os dias eram difíceis. Quando pensei que felicidade era coisa do outro mundo, sua palavra me convenceu que eu deveria continuar.
Suas alegrias, despertando minhas alegrias; suas risadas me fazendo rir também.
Nossas madrugadas de conversas. Vida dividida nas pequenas coisas.
Costura do tempo nos aproximando sempre mais.
Mas quando surgiram nossas diferenças, quando descobrimos nossos maiores defeitos.
Discussões desaforadas. A promessa de que eu iria embora definitivamente de sua vida e de que nunca mais voltaria a pronunciar seu nome.
Mas depois a saudade, a ausência mensurada, o arrependimento, o pedido de perdão e o aprendizado de que quanto mais a gente ama, muito mais a gente precisa perdoar.
E o perdão é a continuidade do amor. Obrigado por ter me ajudado a entender isso.
Estar ao seu lado é sempre motivo de festa. Quando estamos juntos a vida ganha significado diferente. Retiramos o dia comum do calendário e o transformamos em feriado. Extraímos felicidades das coisas mais simples e multiplicamos a graça de cada instante.
Eu não sei dizer quem eu sou sem me recordar de você.
Se da minha vida eu sou o sujeito, você é o adjetivo.
Você me empresta qualidade, você me devolve quando sou roubado. Você me encontra quando estou perdido.
Pode ser que um dia a gente venha se perder nas distâncias deste mundo. Pode ser que um dia a gente se separe. Nem sempre a vida respeita o que a gente quer.
Mas uma coisa é certa: Se pela força da distância você se ausentar, pelo poder que há na saudade há de voltar.
Mesmo que o tempo passe, você fique velhinho e viva aquela fase: põe meu amigo no sol, tira meu amigo do sol.
Mesmo que você perca toda sua utilidade. Dentro de mim você continuará tendo significado.
E haverá sempre um lugar reservado dentro da minha casa para você chegar, quando quiser.
Eu não gostaria que a morte nos alcançasse sem antes poder lhe dizer, que nas miudezas dos meus dias que passam, você é um grande acontecimento que permanece.
Amar é um recurso humano que nos faz eternos.
Retira da mira do tempo e aconchega a pessoa amada na certeza: você não vai passar!
Hoje, neste dia que a vida nos permitiu um encontro nestas páginas, neste instante em que seus olhos se ocupam das palavras que meu coração resolveu improvisar.
Eu gostaria de lhe agradecer pelas inúmeras vezes que você me enxergou melhor do que sou.
Pela sua capacidade de me olhar devagar, já que nesta vida muita gente já me olhou depressa demais.
Eu que nem sempre soube acertar. Aprendi com você que arrependimento é bem melhor do que culpa.
Obrigado por você não ter desistido de mim.
Obrigado pelo seu dom de multiplicar o que sou e o que posso.
Eu, que na solidão dos meus dias sou tentado a pensar pequeno…
Quando o encontro, sou sempre surpreendido com seu poder de me fazer ver o mundo com as mesmas lentes dos poetas.
Obrigado, hoje e sempre!
O que nos torna amigos é a capacidade de sermos muitos, mesmo quando somos dois!

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In Amigo: Somos muitos, mesmo sendo dois
Autor: Padre Fábio de Melo
Editora: Gente, 2007

Imagem: Christian Asuh

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

O MENINO QUE ESCREVIA VERSOS
Mia Couto

De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?
(Versos do menino que fazia versos)


— Ele escreve versos!

Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.

— Há antecedentes na família?

— Desculpe doutor?

O médico destrocou-se em tintins. Dona Serafina respondeu que não. O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso por destino, nunca espreitara uma página. Lia motores, interpretava chaparias. Tratava bem, nunca lhe batera, mas a doçura mais requintada que conseguira tinha sido em noite de núpcias:

— Serafina, você hoje cheira a óleo Castrol.

Ela hoje até se comove com a comparação: perfume de igual qualidade qual outra mulher ousa sequer sonhar? Pobres que fossem esses dias, para ela, tinham sido lua-de-mel. Para ele, não fora senão período de rodagem. O filho fora confeccionado nesses namoros de unha suja, restos de combustível manchando o lençol. E oleosas  confissões de amor.


Tudo corria sem mais, a oficina mal dava para o pão e para a escola do miúdo. Mas eis que começaram a aparecer, pelos recantos da casa, papéis rabiscados com versos. O filho confessou, sem pestanejo, a autoria do feito.

— São meus versos, sim.

O pai logo sentenciara: havia que tirar o miúdo da escola. Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias. Pois o rapaz, em vez de se lançar no esfrega-refrega com as meninas, se acabrunhava nas penumbras e, pior ainda, escrevia versos. O que se passava: mariquice intelectual? Ou carburador entupido, avarias dessas que a vida do homem se queda em ponto morto?

Dona Serafina defendeu o filho e os estudos. O pai, conformado, exigiu: então, ele que fosse examinado.

— O médico que faça revisão geral, parte mecânica, parte eléctrica.

Queria tudo. Que se afinasse o sangue, calibrasse os pulmões e, sobretudo, lhe  espreitassem o nível do óleo na figadeira. Houvesse que pagar por sobressalentes, não importava. O que urgia era pôr cobro àquela vergonha familiar.

Olhos baixos, o médico escutou tudo, sem deixar de escrevinhar num papel. Aviava já a receita para poupança de tempo. Com enfado, o clínico se dirigiu ao menino:

— Dói-te alguma coisa?

—Dói-me a vida, doutor.

O doutor suspendeu a escrita. A resposta, sem dúvida, o surpreendera. Já Dona Serafina aproveitava o momento: Está a ver, doutor? Está ver? O médico voltou a erguer os olhos e a enfrentar o miúdo:

— E o que fazes quando te assaltam essas dores?

— O que melhor sei fazer, excelência.

— E o que é?

— É sonhar.

Serafina voltou à carga e desferiu uma chapada na nuca do filho. Não lembrava o que o pai lhe dissera sobre os sonhos? Que fosse sonhar longe! Mas o filho reagiu: longe, porquê? Perto, o sonho aleijaria alguém? O pai teria, sim, receio de sonho. E riu-se, acarinhando o braço da mãe.

O médico estranhou o miúdo. Custava a crer, visto a idade. Mas o moço, voz tímida, foi-se anunciando. Que ele, modéstia apartada, inventara sonhos desses que já nem há, só no antigamente, coisa de bradar à terra. Exemplificaria, para melhor crença. Mas nem chegou a começar. O doutor o interrompeu:

— Não tenho tempo, moço, isto aqui não é nenhuma clinica psiquiátrica.

A mãe, em desespero, pediu clemência. O doutor que desse ao menos uma vista de olhos pelo caderninho dos versos. A ver se ali catava o motivo de tão grave distúrbio. Contrafeito, o médico aceitou e guardou o manuscrito na gaveta. A mãe que viesse na próxima semana. E trouxesse o paciente.

Na semana seguinte, foram os últimos a ser atendidos. O médico, sisudo, taciturneou: o miúdo não teria, por acaso, mais versos? O menino não entendeu.

— Não continuas a escrever?

— Isto que faço não é escrever, doutor. Estou, sim, a viver. Tenho este pedaço de vida — disse, apontando um novo caderninho — quase a meio.

O médico chamou a mãe, à parte. Que aquilo era mais grave do que se poderia pensar. O menino carecia de internamento urgente.

— Não temos dinheiro — fungou a mãe entre soluços.

— Não importa — respondeu o doutor.

Que ele mesmo assumiria as despesas. E que seria ali mesmo, na sua clínica, que o menino seria sujeito a devido tratamento. E assim se procedeu.

Hoje quem visita o consultório raramente encontra o médico. Manhãs e tardes ele se senta num recanto do quarto onde está internado o menino. Quem passa pode escutar a voz pausada do filho do mecânico que vai lendo, verso a verso, o seu próprio coração. E o médico, abreviando silêncios:

— Não pare, meu filho. Continue lendo...

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© MIA COUTO
In O fio das missangas, 2004
Imagem da internet via Google

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

SÓ TU
Paulo Setúbal

Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram,
Já não me lembro, nem sei...
São tantas as que me amaram!
São tantas as que eu amei!

Mas tu - que rude contraste!
- Tu, que jamais me beijaste,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nestalma, ficaste,
De todas as que eu amei.

moon-mobile[2]

© PAULO SETÚBAL
In Alma Cabocla (Moita de Rosas), 1920
Imagem: internet, via Google

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