sexta-feira, 10 de outubro de 2008

anderson_frag  imagem: arquivo pessoal

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quinta-feira, 9 de outubro de 2008
flor_deserto_9
Imagem Google


VENTURA
Rita Costa

Vi flores nascerem em pedras   
quando não mais descia a rua,
levitando na sombra das nuvens,
muito tempo após
rodopiar entre borboletas.
Outra vez me vejo atenta…
sinto cheiro de terra molhada,
ouço a melodia da chuva
quando de encontro
ao parapeito e à janela.
Medito… no transparente voal,
fronteira insegura dos sentidos,
que frágil, balançando na brisa,
revela ao meu olhar o horizonte.

rosa_mao_4
                                                       imagem da internet


O olhar atravessava a vidraça, uma vidraça invisível que só o tempo e a distância os separavam.
Vira um sem número de vezes aquele homem, sentado, olhando o jardim, com um silêncio quase ensurdecedor. O seu olhar era atento, tão atento que tomava no centro, tudo quanto alcançava na periferia e quando a olhava nos olhos, o silêncio tomava a forma das palavras que nenhum dos dois ousava dizer.
Periodicamente, com a cadência da vida aquele homem voltava ao mesmo lugar, como se viesse para alimentar a alma com tudo quanto via. Tinha fome daquela beleza toda que aquele jardim lhe oferecia. Já não era só o corpo quem lho pedia, era também a alma que lho exigia.
Trazia com ele, sempre o mesmo sorriso branco de aragem, que não se sabe ler excepto quando se sente o aroma de rosas, vindo da que elegantemente ele cuidava e tomara como sua, até ao momento que aguardava para falar uma linguagem que já não recordava.
Tantas as vezes que ela vira aquele homem, como se esperasse por algo ou alguém, que não aparecera durante anos e por quem aprendera a esperar com o tempo ao lado.

Nesse dia ela iria mudar tudo. Iria ver o mesmo jardim com os olhos dele e decidida, iriam partilhar o pão que nesse dia ela cozesse, como se procurasse com isso, saciar uma ausência que já não queria.
Firme, aproximou-se dele em silêncio e apontou-lhe generosa, o caminho que ambos percorreram até à porta da casa onde lhe serviria do mesmo que ela comesse ou bebesse, no mais genuíno gesto que conhecera de dádiva.

Já de saída, enquanto uma das mãos, lenta, parecia pentear com os dedos os cabelos dela, com a outra deixava-lhe o seu único bem, a sua rosa, que do tom pérola tomara agora a cor dos lábios.
Ela, das mãos, por destino daria àquela rosa a jarra mais transparente que ela conhecia, e que viria a revelar-se ser a escolha justa, pelos dias que a mesma duraria, majestosa e graciosa, preservando o aroma, tanto quanto a memória de quem a dera, o permitia.

Já passados os dias que as mãos já não contavam, preparava-se para votar aquela rosa à secagem entre as folhas de um livro, num gesto que apenas reservava para as flores que lhe eram especiais e que queria memorizar nas tábuas do tempo que vivera feliz.
Enquanto tomava nas mãos aquela rosa que se vergava ligeiramente, resignada à poda que a levara até ali, repara que do caule brotavam duas pequenas folhas, dum verde tímido que teimava em fazer viver o milagre que antes parecera não existir mais.
Surpreendida, iria agora levar aquele caule de volta ao jardim, onde com o homem que lha dera, o plantaria onde o sol mais chegasse e o frio poupasse.
Iria ver crescer aquele caule obstinado ao destino e as folhas que o enfeitavam, todos os dias através da mesma vidraça, até que já com rosas feitas, o homem entrasse e lhas trouxesse, num novo ciclo de renascimento.

O Milagre da Rosa >> DAQUI

quarta-feira, 8 de outubro de 2008
sens_49

POEMA AO MAIS RECENTE AMOR
Leila Miccólis

Estar entre teus pêlos e dedos,
entre tua densidade,
neste transpirar sob medida
aos teus gemidos.
Estar entre teus trópicos,
entre o teu desejo e o meu prazer,
beber parte dos teus líquens e teus rios,
percorrendo-te da foz até a origem,
e pura a cada amor partir mais virgem.


In: Saciedade dos poetas vivos, Blocos, 1993. v.4, p.59
 imagem da internet

tarsila_do_amaral
                                           imagem: Tarsila do Amaral


Mulher da Vida, minha Irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais
torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.
Mulher da Vida, minha irmã.
Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
Desprotegidas e exploradas.
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
Necessárias fisiologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e infamadas sempre por
aqueles que um dia as lançaram na vida.
Marcadas. Contaminadas,
Escorchadas. Discriminadas.
Nenhum direito lhes assiste.
Nenhum estatuto ou norma as protege.
Sobrevivem como erva cativa dos caminhos,
pisadas, maltratadas e renascidas.
Flor sombria, sementeira espinhal
gerada nos viveiros da miséria, da
pobreza e do abandono,
enraizada em todos os quadrantes da Terra.
Um dia, numa cidade longínqua, essa
mulher corria perseguida pelos homens que
a tinham maculado. Aflita, ouvindo o
tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras,
ela encontrou-se com a Justiça.
A Justiça estendeu sua destra poderosa e
lançou o repto milenar:
Aquele que estiver sem pecado
atire a primeira pedra
”.
As pedras caíram
e os cobradores deram s costas.
O Justo falou então a palavra de eqüidade:
Ninguém te condenou, mulher...
nem eu te condeno
”.
A Justiça pesou a falta pelo peso
do sacrifício e este excedeu àquela.
Vilipendiada, esmagada.
Possuída e enxovalhada,
ela é a muralha que há milênios detém
as urgências brutais do homem para que
na sociedade possam coexistir a inocência,
a castidade e a virtude.
Na fragilidade de sua carne maculada
esbarra a exigência impiedosa do macho.
Sem cobertura de leis
e sem proteção legal,
ela atravessa a vida ultrajada
e imprescindível, pisoteada, explorada,
nem a sociedade a dispensa
nem lhe reconhece direitos
nem lhe dá proteção.
E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
que um homem a tome pela mão,
a levante, e diga: minha companheira.
Mulher da Vida, minha irmã.
No fim dos tempos.
No dia da Grande Justiça
do Grande Juiz.
Serás remida e lavada
de toda condenação.
E o juiz da Grande Justiça
a vestirá de branco em
novo batismo de purificação.
Limpará as máculas de sua vida
humilhada e sacrificada
para que a Família Humana
possa subsistir sempre,
estrutura sólida e indestrurível
da sociedade,
de todos os povos,
de todos os tempos.
Mulher da Vida, minha irmã.
Declarou-lhe Jesus:
Em verdade vos digo
que publicanos e meretrizes
vos precedem no Reino de Deus
”.
Evangelho de São Mateus 21, ver.31.

[Mulher da vida, minha irmã - Cora Coralina]
Poesia dedicada, por Cora Coralina, ao Ano Internacional da Mulher em 1975.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

elomar
Foto: Mário Luiz Thompson

Elomar (Elomar Figueira Melo)
21/12/1937 Vitória da Conquista, BA

Cantor. Compositor. Violeiro. Nascido em família tradicional de fazendeiros da Zona da Mata do Itambé e da região do Mata - de - Cipó, de Vitória da Conquista, iniciou-se na música ainda criança, acompanhando os cantos das festas religiosas, a música dos cantadores, violeiros e repentistas do sertão. Mudou-se para Salvador, onde estudou música e arquitetura. Lá, ainda adolescente, gostava de ir às feiras para ver os cantadores, os catingueiros, que eram ridicularizados por falarem de maneira incorreta. Considerando a importância da cultura do sertão e das comunidades interioranas, decidiu que, em suas composições, ligadas ao universo rural, prezaria escrever naquela variação linguística. Retornou para Vitória da Conquista ao terminar os estudos.
Vive por opção na região do semi-árido, no sudoeste da Bahia, onde divide seu tempo cuidadando das duas pequenas fazendas em que cria carneiros e cabras e, às vezes, um pouco de gado graúdo. A fazenda Casa dos carneiros e a fazenda Duas passagens. Além da lida rotineira entre plantios, manutenções e construções, Elomar dedica-se à criação musical, que o leva a apresentações esporádicas em palcos urbanos de diversas capitais do país. [Fonte]

Texto de Vinícius de Moraes, para a contracapa do LP "Elomar ...das barrancas do Rio Gavião", de 1973:

"A mim me parece um disparate que exista mar em seu nome, porque um nada tem a ver com o outro, No dia em que "o sertão virar mar", como na cantiga, minha impressão é que Elomar vai juntar seus bodes, de que tem uma grande criação em sua fazenda "Duas Passagens", entre as serras da Sussuarana e da Prata, em plena caatinga baiana, e os irá tangendo até encontrar novas terras áridas, onde sobrevivam apenas os bichos e as plantas que, como ele, não precisam de umidade para viver; e ali fincar novos marcos e ficar em paz entre suas amigas as cascavéis e as tarântulas, compondo ao violão suas lindas baladas e mirando sua plantação particular de estrelas que, no ar enxuto e rigoroso, vão se desdobrando à medida que o olhar se acomoda ao céu, até penetrar novas fazendas celestes além, sempre além, no infinito latifúndio.

Pois assim é Elomar Figueira de Melo: um príncipe da caatinga, que o mantém desidratado como um couro bem curtido, em seus 34 anos de vida e muitos séculos de cultura musical, nisso que suas composições são uma sábia mistura do romanceiro medieval, tal como era praticado pelos reis-cavalheiros e menestréis errantes e que culminou na época de Elizabeth, da Inglaterra; e do cancioneiro do Nordeste, com suas toadas em terças plangentes e suas canções de cordel, que trazem logo à mente os brancos e planos caminhos desolados do sertão, no fim extremo dos quais reponta de repente um cego cantador com os olhos comidos de glaucoma e guiado por um menino - anjo a cantar façanhas de antigos cangaceiros ou "causos" escabrosos de paixões espúrias sob o sol assassino do agreste.

Elomar nasceu em Vitória da Conquista, cidade que também deu vez a Glauber Rocha e Zu Campos, e depois de formar-se em arquitetura pela Universidade Federal da Bahia, ocupa atualmente o cargo de Diretor de Urbanismo em sua cidade. Mas do que gosta realmente é de sua caatingueira, uma das mais ásperas do sertão brasileiro, onde cria bodes e carneiros. Já me foi contado que um de seus reprodutores, o famoso bode "Francisco Orellana", quando a umidade do ar apresenta seus índices mais baixos - que usualmente é 10 graus - senta-se em posição estratégica sobre as patas traseiras e não se peja de urinar na própria boca, de modo a aproveitar, num instintivo e engenhoso recurso ecológico, a própria água do corpo para dessedentar-se.

E tem a onça. Vez por outra, a madrugada restitui a carcaça sangrenta de um bode ou um carneiro, e todas as preocupações cessam, a não ser chumbar a bicha. E a conversa entre os fazendeiros fica sendo apenas essa: onça, suas manias, suas manhas, seus pontos fracos.

Todo mundo se oncifica. Elomar sai à noite para tocaiá-la, e quando a avista só atira nela de frente.
- Um bicho que vem de tão longe para matar meus bodes, esse eu respeito! - diz ele em seu sotaque matuto (apesar da boa cultura geral que tem) e que faz questão de não perder por nada, enojado que está da nossa suposta civilização.

Quando lhe manifestei desejo de passar uns dias em sua companhia e de sua família (Elomar é casado e tem um par de filhos, sendo que a menina tem o lindo nome de Rosa Duprado) para descobrir, em sua companhia e ao som do excelente violão que toca, essas estrelas reconditas que já não se consegue mais ver nos nossos céus poluídos, Elomar me disse:
- Pode vir quando quiser. Deixe só eu ajeitar a casa, que não está boa, e afastar um pouco dali minhas cascavéis e minhas tarântulas...

É... Quem sabe não vai ser lá, no barato das galáxias e da música de Elomar, que eu vou acabar amarrando um bode definitivo e ficar curtindo uma de pastor de estrelas..."

Vinícius de Moraes
Abril de 1973

DISCOGRAFIA

1968 - 1º Compacto (as 2 musicas estão no cd seguinte)

1972 - Das Barrancas do Rio Gavião

1978 - Na Quadrada das Águas Perdidas

1980 - Parcelada Malunga

1981 - Fantasia Leiga para um Rio Seco

1982 - ConSertão

1983 - Cartas Catingueiras I e II

1983 - Auto da Catingueira

1984 - Cantoria 1

1984 - Cantoria 2

1985 - Sertania

1986 - Dos Confins do Sertão

1988 - Concerto Sertanez

1989 - Elomar em Concerto

1992 - Árias Sertânicas

1995 - Cantoria 3

2007 - Tramas do Sagrado


segunda-feira, 6 de outubro de 2008
foge_alguma_coisa  

DESCUIDADO
Ademir Antonio Bacca

tantas vezes abri a mala
no meio da rua
em busca de alguma coisa tua

uma fotografia
um bilhete
um objeto esquecido
ao acaso

mas,
descuidado,
toda vez
que abro a mala
no meio da rua
sempre me foge
alguma coisa
tua


do livro Grito por dentro das Palavras
imagem da internet, via Google

Cultura Nacional
Literatura Nacional Contemporânea
O Fazendeiro do Ar
Documentário sobre Carlos Drummond de Andrade
Filme de Fernando Sabino e David Neves - 1971
[Fonte]

Um dia do grande poeta de nosso tempo. A presença de Minass como fonte permanente de inspiração de sua poesia. Uma entrevista ao vivo que é um dos mais completos depoimentos já prestados sobre a sua vida e sua obra. Imagens raras com a esposa e filha Maria Julieta. [Fonte]

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