quinta-feira, 2 de abril de 2009


Poema XV
Pablo Neruda
Interpretado por Paco Ibáñez

Gosto quando te calas
porque ficas como ausente,
e me ouves desde longe,
e minha voz não te alcança.
Parece que teus olhos tivessem voado
e parece que um beijo,
te cerrasse a boca.
Como todas as coisas estão cheias
de minha alma...
emerges tu das coisas,
cheia de minha própria alma.
Borboleta de sonhos,
és como minha alma
e te pareces com a palavra melancolia.
Gosto quando calas
porque ficas como ausente,
estás como que se lamentando,
borboleta que sussurras.
Me olhas de longe e minha
voz não te alcança.
Deixa que me cale com teu silêncio.
Deixa que eu também fale com teu silêncio,
Iluminado como uma lâmpada,
simples como uma aliança.
És como a noite quieta e estrelada,
teu silêncio é como uma estrela,
tão distante e singelo.
Gosto quando calas
porque ficas como ausente.
Distante e dolorida como se tivesses morrido.
Uma palavra então,
um sorriso basta.
E já fico feliz,
feliz com aquilo que não é certo.

Fonte do vídeo
quarta-feira, 1 de abril de 2009

clarice_lispector_e_o_mar
                                                            Clarice Lispector


APRENDENDO A VIVER (FRAGMENTO)
CLARICE LISPECTOR

“Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...”


Texto extraído do livro "Aprendendo a viver", Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004

Fontes:
do texto: luso-poemas.net
da imagem: Nara França

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                                         Michael and Inessa Garmash


AS TUAS PALAVRAS VOARÃO
Rabindranath Tagore

Se não falas, vou encher o meu coração
Com o teu silêncio, e agüentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
Com a cabeça pacientemente inclinada.
A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz
Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.
Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão
Em flores por todos os recantos da minha floresta.

domingo, 29 de março de 2009
carlos_gomesfrancisco_petronio
                    Carlos Gomes                                        Francisco Petrônio

Música: Quem Sabe?
Intérprete: Francisco Petrônio
Composição: Carlos Gomes e Bittencourt Sampaio




Francisco Petrônio e Dilermano Reis
Uma Voz, Um Violão (1962)





Carlos Gomes ficou reconhecido internacionalmente como compositor de óperas. O que pouca gente sabe é que ele compôs a partir de um universo bastante diversificado, bem próprio de seu estilo, influências e contexto histórico. No seu repertório encontramos música sacra, modinhas, cantatas e operetas. Quando ouvimos suas modinhas nos lembramos de sua origem interiorana, das festas de salões em volta do piano, dos saraus lítero-musicais tão freqüentes no Rio e São Paulo do século XIX.

Nas modinhas e canções de Carlos Gomes encontramos um pouco do lirismo francês e muito dos tons humorísticos das canções italianas, sobretudo a forte presença do estilo verdiano, tão em voga no ensino musical da época. Da sua primeira fase, ainda como estudante de música, destacamos os títulos mais famosos: Hino acadêmico e Quem Sabe? ambas de 1859. A grande parte dos textos musicados por Carlos Gomes eram de caráter romântico, realçando o estilo melodramático, típico das árias de salão.[1]

"Quem sabe", com letra de Bittencourt Sampaio, uma de suas mais famosas composições até hoje, gravada com sucesso por Francisco Petrônio e Dilermando Reis, tendo sido incluída na trilha sonora da telenovela "Senhora", produzida pela TV Globo em 1975 e inspirada no romance homônimo de José de Alencar. A mesma modinha foi interpretada por Ney Matogrosso no show "Pescador de Pérolas", na década de 1980, ao lado de Arthur Moreira Lima, Paulo Moura e Rafael Rabelo.[2]

Quem sabe? (modinha, 1859)
de Carlos Gomes e Bittencourt Sampaio

Tão longe de mim distante
Onde irá, onde irá teu pensamento
Tão longe de mim distante
Onde irá, onde irá teu pensamento
Quisera, saber agora
Quisera, saber agora
Se esqueceste, se esqueceste
Se esqueceste o juramento.
Quem sabe se és constante
Se ainda é meu teu pensamento
Minh’alma toda devora
Dá a saudade dá a saudade agro tormento
Tão longe de mim distante
Onde irá onde irá teu pensamento
Quisera saber agora
Se esqueceste se esqueceste o juramento.


Fontes:
[1]  cifrantiga3.blogspot.com
[2] dicionariompb.com.br

stanislaw_ponte_preta   Vinicius de Moraes 
              Stanislaw Ponte Preta                              Vinicius de Moraes


OS VINICIUS DE MORAES
STANISLAW PONTE PRETA


Eu confesso a vocês que descobri o segredo do coleguinha jornalista, poeta, diplomata e teleco-tequista Vinicius de Moraes numa tarde em que ambos (não ambos os Vinicius, como ficará provado mais tarde, mas ambos: eu e ele) tomávamos umas e outras no Bar Calypso, num desses crepúsculos vespertinos de Ipanema que já baixam pedindo um chope.
Estávamos lá “entornando”, quando chegou minha hora de subir para Petrópolis:- Poetinha, eu vou me mandar – disse eu. Ele suspirou, ante a perspectiva de ter de ficar sozinho e desejou boa viagem. Eu entrei no carro e subi para Petrópolis, onde cheguei certo de que nenhum carro passara pelo meu na estrada. No entanto, parei na Avenida 15 da cidade serrana, manobrei o carro e coloquei na vaga indo tomar mais um na Confeitaria Copacabana. Quando entrei e olhei para as mesas, vi que um camarada me saudava lá de dentro: era Vinicius de Moraes. Foi nessa tarde - repito – que eu descobri que Vinicus era, pelo menos dois. Está claro que podem haver mais de dois. Duvido até que as múltiplas atividades de Vinicius (reparem que seu nome já é no plural para enganar os trouxas) possam ser realizadas só por dois deles. Acredito mesmo que haja uma meia dúzia de Vinicius: um para poesia, um para diplomacia, outro para samba, um quarto para jornalista e o resto para mulher. Desses, os mais assoberbados talvez sejam os últimos. Eu acho, outrossim, que sou o único ao qual Vinicius (não sei qual deles) deu a pala de que eles são uma equipe e não um homem, por isso fico rindo dos coleguinhas que disputam o privilégio de noticiar o Vinicius certo na hora exata. Os jornais de ontem, por exemplo, estavam muito pitorescos sobre Vinicius (todos os Vinicius). Em Última Hora a confreirinha jornalista Teresa Cesário Alvim, num esforço de reportagem, dizia: “Vinicius de Moraes anda a todo vapor, de uns tempos para cá. Tomou pressão em Petrópolis e desceu a serra carregado de idéias, jorrando inspiração para todos os lados. “ (Coitada da Teresa, não sabe que há Vinicius pela aí tudo.) Já o coleguinha Jacinto de Thormes, no mesmo dia, na mesma UH e talvez escrevendo à mesma hora, dizia: “O Senhor Vinicius de Moraes está fazendo uma temporada de repouso na Clínica São Vicente.” De fato, há um dos Vinicius que está repousando, o que explica as notícias tão desencontradas de dois colunistas, no mesmo jornal, no mesmo dia. No mesmo dia, aliás, o Carlos Alberto escrevia na sua coluna: “O poeta Vinicius de Moraes, ontem de madrugada, conversando no Restaurante Fiorentina.” É verdade. Vinicius estava lá no Fiorentina, numa roda batendo papo. Dezenas de testemunhas podem provar o que o Carlos Alberto disse. Estava também tomando oxigênio, na Clínica São Vicente, estava em casa com amigos, compondo sambas ao som do violão de Baden Powell, estava no Cine Alvorada, assistindo a “Morangos Silvestres” (o porteiro me disse que o Vinicius já assistiu à fita quatro vezes, mas é mentira. Vários Vinicius ainda não viram). Como, minha senhora? A senhora não acredita que Vinicius seja uma porção? Azar o seu, dona. Um dia ainda se fará um programa de televisão com Vinicius ao violão, acompanhando outro Vinicius que canta, junto com um quarteto vocal de Vinicius. Sem vídeo-tape. Quem tem razão é Tia Zulmira, quando diz que, se Vinicius de Moraes fosse um só, não seria Vinicius de Moraes, seria Vinício de Moral.


1.Texto originalmente publicado na 4ª edição do livro Rosamundo e os outros, de Stanislaw Ponte Preta, editado pela Civilização Brasileira (1975)

2.Stanislaw Ponte Preta é um fantástico personagem criado pelo jornalista carioca Sérgio Porto [1923 – 1968]. Rosamundo e os outros é o terceiro título de uma série que ainda inclui Tia Zulmira e eu e Primo Altamirando e elas.

Fonte: nasescuridoes.blogspot.com

sábado, 28 de março de 2009

 

Hermeto Pascoal e Elis Regina no Festival de Montreux
Música: Asa Branca.
Composição: Luís Gonzaga e Humberto Teixeira

Quando oiei a terra ardendo
Qual a fogueira de São João
Eu preguntei a Deus do céu,ai
Por que tamanha judiação
Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de prantação
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
"Intonce" eu disse adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe muitas légua
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortar pro meu sertão
Quando o verde dos teus óio
Se espanhar na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu vortarei, viu
Meu coração

 serenidade
                                                            Imagem da Internet

VEM, SERENIDADE!
Raul de Carvalho

Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla umidade das bocas.

Vem, serenidade!
faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.

 Michael_and_Inessa_Garmash_en_vogue
                                              Michael and Inessa Garmash

QUIETAÇÃO
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro, 1933

No espaço claro e longo
O silêncio é como uma penetração de olhares calmos...
Eu sinto tudo pousado dentro da noite
E chega até mim um lamento contínuo de árvores curvas.
Como desesperados de melancolia
Uivam na estrada cães cheios de lua.
O silêncio pesado que desce
Curva todas as coisas religiosamente
E o murmúrio que sobe é como uma oração da noite...

Eu penso em ti.
Minha boca cicia longamente o teu nome
E eu busco sentir no ar o aroma morno da tua carne.
Vejo-te ainda na visão que te precisou no espaço
Ouvindo de olhos dolentes as palavras de amor que eu te dizia
Fora do tempo, fora da vida, na cessação suprema do instante
Ouvindo, junta de mim, a angústia apaixonada da minha voz
Num desfalecimento.
Pelo espaço claro e longo
Vibra a luz branca das estrelas.
Nem uma aragem, tudo parado, tudo silêncio
Tudo imensamente repousado.
E eu cheio de tristeza, sozinho, parado
Pensando em ti.

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