domingo, 26 de julho de 2009


CANÇÃO A CAMINHO DO CÉU
(As Mão Que Trago)

Poesia de Cecília Meireles
Música de Alain Oulma
Intérprete: Dulce Pontes


As mãos que trago 
Foram montanhas, forma mares
foram os números que não sei
por muitas coisas singulares
não te encontrei, não te encontrei
E te esperava, te chamava
em teus caminhos me perdi
fui nuvem negra, maré brava
e era por ti, e era por ti

As mãos que trago
as mãos são estas
elas sozinhas te dirão
se vêm de mortes ou de festas
meu coração, meu coração
Tal como sou, não te convido
a ires para onde eu for
tudo o que eu tenho
é haver sofrido
pelo meu sonho alto e perdido
e o encantamento arrependido
do meu amor, do meu amor.

Fonte do vídeo
sexta-feira, 24 de julho de 2009
Michael_and_Inessa_Garmash_giselle 
                  Michael and Inessa Garmash

ATO DE CONTRIÇÃO
Raimundo Gadelha


Perdoe-me
por chegar assim, tão de repente
e encontrar-te assim, tão desprevenida
Perdoe-me
por não te dar tempo de me conheceres inteiro,
mas apenas o tempo inteiro tentar ser tudo aquilo
que – sei – tu gostarias que eu fosse
Perdoe-me
por tão subitamente adentrar teu corpo,
tenda, templo do espírito,
sem antes deter-me em cada detalhe
Bater à porta com suavidade
Encantar-me com os vasos na janela
Sentir todos os cheiros
e, devagar, ir penetrando com um sorriso

Perdoe-me
por, já dentro de ti, ter esquecido do essencial
Não ter percebido o quadro pendurado na parede
Não ter regulado o oxigênio dos peixes dourados no aquário
Não ter falado do retrato amarelado na mesa de cabeceira
Não ter me emocionado com o velho gramofone no canto da sala
e não ouvir as belas e tristes canções por ti sussurradas

Perdoe-me
por, ainda dentro de tua casa – tão próximo de tua alma –
não ter percorrido com brandura todos os cômodos,
mas apenas comodamente ter seguido meu próprio caminho

Perdoe-me
por, assim sozinho, tão impróprio ter sido,
quando melhor teria sido deixar que naturalmente fôssemos

Perdoe-me
por assim partir, deixando apenas inconsistência
em múltiplas formas de sonhos e esperanças

Perdoe-me, perdoe-me.

_h 

Raimundo Gadelha nasceu na Paraíba, morou em várias cidades do Norte e Nordeste e também em diversas cidades do mundo. Estudou em Nova York, especializou-se em Tóquio, onde residiu por quase três anos, e só então se impôs o desafio de ser editor, fundando a Escrituras Editora, em São Paulo, em 1994.
Publicitário, jornalista, escritor e fotógrafo, lançou seu primeiro livro em 1978. Em Algum Lugar do Horizonte (romance, 2000) e Vida Útil do Tempo (poesia, 2004) são seus trabalhos mais recentes.

_h
segunda-feira, 20 de julho de 2009

amigos1

RECADO AOS AMIGOS DISTANTES
Cecília Meireles

Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.

Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.

Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.

Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.

Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.

Cecília Meireles, in Poemas (1951)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Minha eterna saudade, Guria
E pela poesia da Cecília, minha homenagem no seu aniversário!

estrelaquemaisbrilha 
                        imagem da internet via Google

EVELYN
Cecília Meireles


Não te acabarás Evelyn

As rochas que te viram são negras, entre espumas finas
Sobre elas giram lisas gaivotas delicadas,
E ao longe as águas verdes revolvem seus jardins de vidro

Não te acabarás Evelyn

Guardei o vento que tocava
A harpa dos teus cabelos verticais,
E teus olhos estão aqui e são conchas brancas,
Docemente fechados, como se vê nas estátuas

Guardei teu lábio de coral róseo
E teus dedos de coral branco
E estás para sempre, como naquele dia
Comendo, vagarosa, fibras elásticas de crustáceos
Mirando a tarde e o silêncio
E a espuma que te orvalhava os pés

Não te acabarás Evelyn

Eu te farei aparecer entre as escarpas
Sereia, serena
E os que não te viram procurarão por ti
Que eras tão bela e nem falaste

Evelyn – disseram-me,
Apontando-te entre as barcas
E eras igual a meu destino

Evelyn – entre a água e o céu
Evelyn – entre a água e a terra
Evelyn – sozinha
Entre os homens e Deus.

©Cecília Meireles
in Mar Absoluto, 1945

www.avozdapoesia.com.br/ceciliameireles

domingo, 12 de julho de 2009
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                                                  Carl Larsson
PRIMEIRO FRÊMITO
Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça

Passei ao pé de ti, tremulamente ouvindo
em mim mesma ecoar uma estranha canção,
o som era confuso e tênue mas foi indo
e de súbito encheu-me o frio coração...

Depois tornou-se um hino ardente, e prosseguindo
dia a dia, a crescer, de força e de emoção,
todo o meu ser vibrou naquele canto infindo
como junco dobrado ao sopro do tufão.

Na floresta vagava esparsa melodia.
Um frêmito de luz, de vida e de alegria
fazia rescender o jasmineiro em flor.

E na terra fremente, e na amplidão profunda
e em minhalma a tremer, invencível, fecunda,
palpitava a canção vitoriosa do amor!

 <><><><>

Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça nasceu em São João Del Rey, Minas Gerais, a 19 de abril de 1886, filha do Conde e Condessa de Afonso Celso, neta do Visconde de Ouro Preto que presidia o Gabinete Imperial quando da deposição do Imperador D. Pedro II.
quinta-feira, 9 de julho de 2009

 Michael_and_Inessa_Garmash_cherishedroses1                                                Michael and Inessa Garmash

SE NÃO FALAS
Rabindranath Tagore

Se não falas, vou encher o meu coração
Com o teu silêncio, e agüentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
Com a cabeça pacientemente inclinada.

A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz
Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.

Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão
Em flores por todos os recantos da minha floresta.

Se nos falam de céu pensamos nuvem.
Se pegamos a nuvem cavalgamos.
O que era o alto faz-se espelho e lago.
A vastidão não é assombro. É leito.
Há-de vir a manhã dos sonhos descobertos.
Paisagens fluidas, luminosas, maternais.
(Licínia Quitério)

  Fotos: Nara Françanarafranca90 narafranca20narafranca64 narafranca78 narafranca80 narafranca82 narafranca86

quarta-feira, 8 de julho de 2009

la valse_camille_claudel 
                               Camille Claudel


SUSPENSÃO
Vinicius de Moraes

Fora de mim, fora de nós, no espaço, no vago
A música dolente de uma valsa
Em mim, profundamente em mim
A música dolente do teu corpo
E em tudo, vivendo o momento de todas as coisas
A música da noite iluminada.
O ritmo do teu corpo no meu corpo...
O giro suave da valsa longínqua, da valsa suspensa...
Meu peito vivendo teu peito
Meus olhos bebendo teus olhos, bebendo teu rosto
E a vontade de chorar que vinha de todas as coisas.

 

Rio de Janeiro, 1933
in O caminho para a distância
in Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"
Fonte: www.viniciusdemoraes.com.br

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