sexta-feira, 29 de outubro de 2010

E, mais uma vez, a nossa escritora favorita tem as palavras certas para homenagear o seu renascimento lá, entre os Anjos.
Saudade, Guria…

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Lembrar com amor é oferecer, no coração, um sorriso que se expande. É um jeito instantâneo e poderoso de prece. É um modo de abraço, não importa o aparente tamanho da distância, nem as enganosas cercas do tempo. Lembrar com amor é levar a vida, no exato instante da lembrança, ao lugar onde a outra vida está e plantar uma nova muda de ternura por lá.

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Texto: Ana Jácomo >> DAQUI
Imagem: Jim Warren

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

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A OPINIÃO EM PALÁCIO
Carlos Drummond de Andrade

O Rei fartou-se de reinar sozinho e decidiu partilhar o poder com a Opinião Pública.

- Chamem a Opinião Pública. - ordenou aos serviçais.

Eles percorreram as praças da cidade e não a encontraram. Havia muito que a Opinião Pública deixara de freqüentar lugares públicos. Recolhera-se ao Beco sem Saída, onde, furtivamente, abria só um olho, isso mesmo lá de vez em quando.

Descoberta, afinal, depois de muitas buscas, ela consentiu em comparecer ao Palácio Real, onde Sua Majestade, acariciando-lhe docemente o queixo, lhe disse:

- Preciso de ti.

A Opinião, muda como entrara, muda se conservou. Perdera o uso da palavra ou preferia não exercitá-lo. O Rei insistia, oferecendo-lhe sequilhos e perguntando o que ela pensava disso e daquilo, se acreditava em discos voadores, horóscopos, correção monetária, essas coisas. E outras. A Opinião Pública abanava a cabeça: não tinha opinião.

- Vou te obrigar a ter opinião. - disse o Rei, zangado. Meus especialistas te dirão o que deves pensar e manifestar. Não posso mais reinar sem o teu concurso. Instruída devidamente sobre todas as matérias, e tendo assimilado o que é preciso achar sobre cada uma em particular e sobre a problemática geral, tu me serás indispensável.

E  virando-se para os serviçais:

- Levem esta senhora para o Curso Intensivo de Conceitos Oficiais. E que ela só volte aqui depois de decorar bem as apostilas.

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In Contos Plausíveis. José Olympio, 1985
Imagens da Internet, by Google

sábado, 23 de outubro de 2010

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 TÃO FUNDO O SILÊNCIO
José Saramago

É tão fundo o silêncio entre as estrelas.
Nem o som da palavra se propaga,
nem o canto das aves milagrosas.
Mas, lá, entre as estrelas, onde somos
um astro recriado, é que se ouve
o íntimo rubor que abre as rosas.

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SOB A TUA SERENIDADE
Cecília Meireles

Não me ouvirás... É vão... Tudo se espalha
Pelos ermos de azul... E permaneces
Sobre o vale das súplicas e preces
Com solenes grandezas de muralha...

Minha alma, sem Te ouvir nem ver, trabalha
Tranqüila. Solidão... Desinteresses...
Por que pedir? De tudo que me desses
Nada servirá a esta existência falha...

Nada servirá, agora... E, noutra vida,
Oh, noutra vida eu sei que terei tudo
Que há na paragem bem-aventurada...

Tudo – porque eu nasci desiludida
E sofri, de olhos mansos, lábio mudo,
Não tenho nada e não pedindo nada...

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Cecília Meireles
In Nunca Mais
Imagem da Internet

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

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O SIGNIFICADO DO POEMA
Fernando Macias

À noite
O significado do poema
Interroga

Depois do cansaço
os rostos celebram a leitura dos dedos
numa lenta despedida
em submissão à ausência

E enquanto o poeta reproduz
no refúgio
o silêncio adormece.

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In  Gestos de Amanhecer
Imagem: pintura de Karen Stene

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ASCENSÃO DO POETA
Alphonsus de Guimaraens

O poeta deve ter dentro da alma estelada
Uma deusa que o embale e acarinhe e adormeça:
É a ilusão que lhe vem aureolar a cabeça,
Suavizando-lhe a dor com os seus dedos de fada.

Quer surja a aurora, quer por entre as sombras desça
A noite, haja o clamor da vida, ou a paz sagrada
Da morte, — ela que é a fonte, o bem, a bem-amada,
Dá que a palma estival do sonho resplandesça.

E o mundo, que é o sinistro ergástulo de treva,
Transforma-se na irial mansão donde se eleva
A prece que há de um dia aos pés de Deus chegar...

E aos astros de tal modo o Poeta ascende em calma,
Que o céu fica menor do que o azul da sua alma,
E nem cabe no céu a luz do seu olhar...

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Imagem: pintura de Jim Warren

sábado, 16 de outubro de 2010

 

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EU VI UMA ROSA
Manuel Bandeira

Eu vi uma rosa
- Uma rosa branca -
Sozinha no galho.
No galho? Sozinha
No jardim, na rua.

Sozinha no mundo.

Em torno, no entanto,
Ao sol de meio-dia,
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendia.

Tu isso era excesso.

A graça essencial,
Mistério inefável
- Sobrenatural -
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa
Sozinha no galho.

Sozinha no tempo.

Tão pura e modesta,
Tão perto do chão,
Tão longe na glória
Da mística altura,
Dir-se-ia que ouvisse
Do arcanjo invisível
As palavras santas
De outra Anunciação.

longwhrose

Petrópolis, 1943
In Lira dos Cinquent’anos
Imagens da Internet, by Google

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