domingo, 5 de fevereiro de 2012

ENTARDECER NO SERTÃO
Luís Carlos Mordegane


Como é lindo o teu entardecer sertão!
    Faço de minhas palavras versos pra ti...
    Das estradas de terra por toda imensidão
    Ouvir ao  longe o piar alegre da juriti.
    

    Raios a refletirem teus brilhos pelo  chão
    Traz a lembrança das límpidas águas da fonte
    Tão límpidas que reluz e ofusca a visão
    Em contraste com as sombras no alto do monte
    

    A encobrirem  os raios brilhantes  do sol.
    Mostra a terra de um vermelho escaldante
    Quando começa se esconder por detrás do paiol
    E outras terras aquecer com tua luz radiante...
    

    Muge o gado lá no canto da invernada
    Canta nos galhos a passarada
    Pia o nhanbú lá na baixada
    No terreiro o som do monjolinho...
    

    Lembro minha casinha no pé da serra
    No alpendre minha cabocla me espera
    Como é doce o cheiro da minha terra
    Como é lindo o teu entardecer sertão!

barrinhas1 
Fontes:
Luís Carlos Mordegane >>
DAQUI
Imagem: Ricardo Boaventura >> DAQUI

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

ACORRENTADOS
Paulo Mendes Campos


Quem coleciona selos para o filho do amigo; quem acorda de madrugada e estremece no desgosto de si mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem amava; quem chora no cinema ao ver o reencontro de pai e filho; quem segura sem temor uma lagartixa e lhe faz com os dedos uma carícia; quem se detém no caminho para ver melhor a flor silvestre; quem se ri das próprias rugas; quem decide aplicar-se ao estudo de uma língua morta depois de um fracasso sentimental; quem procura na cidade os traços da cidade que passou; quem se deixa tocar pelo símbolo da porta fechada; quem costura roupa para os lázaros; quem envia bonecas às filhas dos lázaros; quem diz a uma visita pouco familiar: Meu pai só gostava desta cadeira; quem manda livros aos presidiários; quem se comove ao ver passar de cabeça branca aquele ou aquela, mestre ou mestra, que foi a fera do colégio; quem escolhe na venda verdura fresca para o canário; quem se lembra todos os dias do amigo morto; quem jamais negligencia os ritos da amizade; quem guarda, se lhe deram de presente, o isqueiro que não mais funciona; quem, não tendo o hábito de beber, liga o telefone internacional no segundo uísque a fim de conversar com amigo ou amiga; quem coleciona pedras, garrafas e galhos ressequidos; quem passa mais de dez minutos a fazer mágicas para as crianças; quem guarda as cartas do noivado com uma fita; quem sabe construir uma boa fogueira; quem entra em delicado transe diante dos velhos troncos, dos musgos e dos liquens; quem procura decifrar no desenho da madeira o hieróglifo da existência; quem não se acanha de achar o pôr-do-sol uma perfeição; quem se desata em sorriso à visão de uma cascata ; quem leva a sério os transatlânticos que passam; quem visita sozinho os lugares onde já foi feliz ou infeliz; quem de repente liberta os pássaros do viveiro; quem sente pena da pessoa amada e não sabe explicar o motivo; quem julga adivinhar o pensamento do cavalo; todos eles são presidiários da ternura e andarão por toda a parte acorrentados, atados aos pequenos amores da armadilha terrestre.

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In O Anjo Bêbado, 1969
Imagem:
Mary Baxter St. Clair

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

 

OS LÍRIOS
Henriqueta Lisboa

Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranqüila.

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Henriqueta Lisboa
in A Face Lívida, 1945
Imagens: >
DAQUI

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

CANTAREI O AMOR
JG de Araujo Jorge

Acima de tudo
cantarei o amor

O de Cristo e Confúcio,  o de Romeu e D. Juan,
acima de tudo cantarei o amor.

Em todos os momentos, lascivos ou gloriosos,
mansos ou eróticos,
unindo dois ou arrastando milhões,
nascido da ternura ou da revolta,
procriando seres ou idéias,
acima de tudo cantarei o amor.

O amor
- cimento e força -
que constrói e ilumina
que convoca e conquista,
- bola de neve do Bem inevitável -
acima de tudo cantarei o amor.

E o tirarei do coração
como a hóstia do cálice
ou o sol, da manhã,
ou a espada, da bainha,
- fulcro para a alavanca do meu verso
mover o mundo -

acima de tudo cantarei o amor.

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JG de Araujo Jorge
In O Poder Da Flor, 1969

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

SERENA
Henriqueta Lisboa

Essa ternura grave
que me ensina a sofrer
em silêncio, na suavi-
dade do entardecer,
menos que pluma de ave
pesa sobre meu ser.

E só assim, na levi-
tação da hora alta e fria,
porque a noite me leve,
sorvo, pura, a alegria,
que outrora, por mais breve,
de emoção me feria.

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In Azul Profundo, 1950-1955

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

PORQUE
POESIA: Sophia de Mello Breyner Andresen
Música e Interpretação: Francisco Fanhais


PORQUE

 
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
 
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
 
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
 
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


barrinha_4    
In No Tempo Dividido e  Mar Novo, Edições Salamandra, 1985
Fonte do Vídeo
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