sábado, 22 de setembro de 2012

Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.

Cecília Meireles)

sexta-feira, 21 de setembro de 2012
PRESENÇA
Mario Quintana

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

Rosa vermelha

Mario Quintana
In Apontamentos de História Sobrenatural,
1976
Imagem: Andrew Atroshenko

Rosa vermelha
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
NAMORADOS
Manuel Bandeira
 

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
— Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com a sua cara.

A moça olhou de lado e esperou.

— Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listada?

A moça se lembrava:
— A gente fica olhando...

A meninice brincou de novo nos olhos dela.

O rapaz prosseguiu com muita doçura:

— Antônia, você parece uma lagarta listada.

A moça arregaçou os olhos, fez exclamações.

O rapaz concluiu:

— Antônia, você é engraçada! Você parece louca.

separador3

© Manuel Bandeira
In Libertinagem, 1930

Imagem: Donald Zolan

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

adriano_cecilia

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

OS TEUS PÉS
Pablo Neruda

Quando não posso contemplar teu rosto,
contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.

Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,
a duplicada púrpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouco levantaram vôo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.

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© Pablo Neruda
In Poemas de amor, 2010
Trad. Nuno Júdice

Imagem: Jenedy Paige

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

SAUDADE TRÔPEGA
José Bernardes

Saudade são aquelas casas que um dia o coração habitou
e onde agora pousam os olhares
movidos por pássaros de canto frágil

Saudade são aquelas árvores despidas de folhas
que migraram ondulando nos ventos
dos estios desérticos das palavras gastas

Saudade são as marés fechadas na concha da mão
vislumbre da música eterna cantada pelas gaivotas

Ah as gaivotas
essas não sofrem de saudade
criadoras da fronteira da terra e do mar
desenham no limite da maré
linha onde descalço tropeço
a espumosa melancolia das ondas

Saudade são as pegadas deixadas na areia
vultos de pés perdidos que em breve
trôpegos de maré e vinho
se abandonam à tristeza da fronteira dos pássaros.

Coração vermelho 

José Bernardes
In Palavras imóveis

Imagem: Childe Hassam

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

TENHO UM POEMA POUSADO NO VESTIDO E NÃO SEI SE VOLTAS
Maria do Rosário Pedreira


Tenho um decote pousado no vestido e não sei se voltas,
mas as palavras estão prontas sobre os lábios como
segredos imperfeitos ou gomos de água guardados para o verão.
E, se de noite as repito em surdina, no silêncio
do quarto, antes de adormecer, é como se de repente
as aves tivessem chegado já ao sul e tu voltasses
em busca desses antigos recados levados pelo tempo:

Vamos para casa? O sol adormece nos telhados ao domingo
e há um intenso cheiro a linho derramado nas camas.
Podemos virar os sonhos do avesso, dormir dentro da tarde
e deixar que o tempo se ocupe dos gestos mais pequenos.

Vamos para casa. Deixei um livro partido ao meio no chão
do quarto, estão sozinhos na caixa os retratos antigos
do avô, havia as tuas mãos apertadas com força, aquela
música que costumávamos ouvir no inverno. E eu quero rever
as nuvens recortadas nas janelas vermelhas do crepúsculo;
e quero ir outra vez para casa. Como das outras vezes.

Assim me faço ao sono, noite após noite, desfiando a lenta
meada dos dias para descontar a espera. E, quando as crias
afastarem finalmente as asas da quilha no seu primeiro voo,
por certo estarei ainda aqui, mas poderei dizer que, pelo
menos uma ou outra vez, já mandei os recados, já da minha
boca ouvi estas palavras, voltes ou não voltes.

 

Rosa vermelha

© Maria do Rosário Pedreira
In 366 poemas que falam de amor, 2003

imagem: Jack Vettriano

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

FUGITIVA
Elza Fraga


Estou aqui
de novo
estenda a mão e sinta
meu aconchego
meu cheiro
meu desassossego
minhas inconstâncias
minha ânsia
de voar,

de fugir do pesadelo
onde não estás
pra encontrar
tua presença
que nunca arribou.

Só eu
ave tardia
presa do inverno
fugi pro inferno
escaldei as asas
atrás do calor.

Calor que sempre esteve aqui.

Então apenas
estenda a mão
e me engaiole enfim

e finja que nunca parti
fugindo

de mim.

Red rose

© Elza Fraga
In Tempo in-verso (blog)
Link: http://goo.gl/9YdST

Mais da autora na Voz da Poesia 

imagem: Jenedy Paige

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