quinta-feira, 18 de abril de 2019

SONETO DO SONO
Ruy Espinheira Filho


A tarde é tão serena que parece
vir do hálito que sobe do teu sono.
Vejo-te ir nas nuvens do abandono,
comovido de calma. A tarde desce

ao longe, sobre o mar. Mas lenta e leve,
como a exalar o sonho desse sono.
E tudo, enfim, é o sopro do abandono
e o seu sussurrar na mão que escreve.

Dormes como num voo. Como se fosse
quando o tempo era jovem. E então me sinto
pleno de mar e luz e céu  ̶  e sou

soberbo e claro por estar absorto
no abandono desse pó de estrelas
que se juntou para inventar teu corpo.


barrinha_5

© Ruy Espinheira Filho
In: Estação infinita e outras estações - poesia reunida, 2012
Arte: Richard Macneil

barrinha_5
terça-feira, 16 de abril de 2019

XII
Natália Correia


Pássaro breve
Rompendo a chuva caída
Na minha melancolia.

Ave voando
Na chuva que vai caindo
Em mim sem cair no dia.

Pássaro leve
Cantando o sol que amanhece
Na noite que me entristece.

barrinhas1
© Natália Correia
In: Rio de Nuvens, 1947
Arte: Osiris Rain
barrinhas1
sábado, 13 de abril de 2019

O RIO
Vinícius de Moraes


Uma gota de chuva
A mais, e o ventre grávido
Estremeceu, da terra.
Através de antigos
Sedimentos, rochas
Ignoradas, ouro
Carvão, ferro e mármore
Um fio cristalino
Distante milênios
Partiu fragilmente
Sequioso de espaço
Em busca de luz.

Um rio nasceu.


© Vinícius de Moraes
In: Antologia Poética, 1954
Arte: Marion Rose

quarta-feira, 10 de abril de 2019

CARTA A UM AMOR
Lindolf Bell


Poderias deixar de ter sido
o deslumbramento para mim?
Responde-me: é preciso justificar.
Olhei em teus olhos e falei:
eis a minha morada.

Ah! O mistério, o mistério foi suficiente
para conter-nos.
Mas entre as múltiplas tendências
te escolhi
e te ampliei.

Um cavalo desenfreado correu-me
quando tuas mãos floriram sobre mim.
Tentei amar o irreversível
mas o que se descobre
ou cresce
ou se lega
ou perde equilíbrio e força.
Pelas bordas das coisas
se perdem os excessos
e meu coração foi tanto
quanto um coração pode ser.

Não. Não quero extravasar
de ti os outros,
mas quero ser o eleito.

Jamais nos é possível entrever,
porque o que há em nós
suspeita apenas,
e o que vem para nós
não nos pertence com facilidade.

Poderias deixar de ter sido
o deslumbramento para mim?
Ainda que respondesses, sim,
não o poderia aceitar.
Olhei em teus olhos e falei:
eis a minha morada.

3-2
© Lindolf Bell
In: Convocação, 1965
Arte: Max Ginsburg
3-2
terça-feira, 9 de abril de 2019


1891. Um ano após o suicídio de Vincent Van Gogh, Armand Roulin (Douglas Booth) encontra uma carta por ele enviada ao irmão Theo, que jamais chegou ao seu destino. Após conversar com o pai, carteiro que era amigo pessoal de Van Gogh, Armand é incentivado a entregar ele mesmo a correspondência. Desta forma, ele parte para a cidade francesa de Arles na esperança de encontrar algum contato com a família do pintor falecido. Lá, inicia uma investigação junto às pessoas que conheceram Van Gogh, no intuito de decifrar se ele realmente se matou.

Saiba mais sobre o filme

OBS.: Infelizmente a reprodução em outros sites foi desativada pelo proprietário do vídeo.  Clique no link e assista diretamente no Youtube: Com amor, Van Gogh
domingo, 7 de abril de 2019

O ÚNICO CAMINHO
Vinícius de Moraes


No tempo em que o Espírito habitava a terra
E em que os homens sentiam na carne a beleza da arte
Eu ainda não tinha aparecido.
Naquele tempo as pombas brincavam com as crianças
E os homens morriam na guerra cobertos de sangue.
Naquele tempo as mulheres davam de dia o trabalho da palha e da lã
E davam de noite, ao homem cansado, a volúpia amorosa do corpo.

Eu ainda não tinha aparecido.

No tempo que vinham mudando os seres e as coisas
Chegavam também os primeiros gritos da vinda do homem novo
Que vinha trazer à carne um novo sentido de prazer
E vinha expulsar o Espírito dos seres e das coisas.

Eu já tinha aparecido.

No caos, no horror, no parado, eu vi o caminho que ninguém via
O caminho que só o homem de Deus pressente na treva.
Eu quis fugir da perdição dos outros caminhos
Mas eu caí.
Eu não tinha como o homem de outrora a força da luta
Eu não matei quando devia matar
Eu cedi ao prazer e à luxúria da carne do mundo.
Eu vi que o caminho se ia afastando da minha vista
Se ia sumindo, ficando indeciso, desaparecendo.
Quis andar para a frente.
Mas o corpo cansado tombou ao beijo da última mulher que ficara.

Mas não.
Eu sei que a Verdade ainda habita minha alma
E a alma que é da Verdade é como a raiz que é da terra.
O caminho fugiu dos olhos do meu corpo
Mas não desapareceu dos olhos do meu espírito
Meu espírito sabe...
Ele sabe que longe da carne e do amor do mundo
Fica a longa vereda dos destinados do profeta.
Eu tenho esperanças, Senhor.
Na verdade o que subsiste é o forte que luta
O fraco que foge é a lama que corre do monte para o vale.
A águia dos precipícios não é do beiral das casas
Ela voa na tempestade e repousa na bonança.
Eu tenho esperanças, Senhor.
Tenho esperanças no meu espírito extraordinário
E tenho esperança na minha alma extraordinária.
O filho dos homens antigos
Cujo cadáver não era possuído da terra
Há de um dia ver o caminho de luz que existe na treva
E então, Senhor
Ele há de caminhar de braços abertos, de olhos abertos
Para o profeta que a sua alma ama mas que seu espírito ainda não possuiu.


(Rio de Janeiro , 1933)
barrinhas1
© Vinícius de Moraes
In: O caminho para a distância, 1933
Arte: Viktor Yushkevich
barrinhas1

RETRATO
Marly de Oliveira


Deixei em vagos espelhos
a face múltipla e vária,
mas a que ninguém conhece
essa é a face necessária.

Escuto quando me falam,
de alma longe e rosto liso,
e os lábios vão sustentando
indiferente sorriso.

A força heróica do sonho
me empurra a distantes mares,
e estou sempre navegando
por caminhos singulares.

Inquiri o mundo, as nuvens
o que existe e não existe,
mas, por detrás das mudanças,
permaneço a mesma, e triste.


hummingbirdredrose[1]
© Marly de Oliveira
In: Cerco da Primavera, 1958
Arte: Nydia Lozano
hummingbirdredrose[1]
quarta-feira, 27 de março de 2019

ESCOLHA
Lya Luft


Apesar do medo
escolho a ousadia.
Ao conforto das algemas, prefiro
a dura liberdade.
Vôo com meu par de asas tortas,
sem o tédio da comprovação.

Opto pela loucura, com um grão
de realidade:
meu ímpeto explode o ponto,
arqueia a linha, traça contornos
para os romper.

Desculpem, mas devo dizer:
eu
quero o delírio.


https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHY9u40NUJKBSmyKItL70ZrJx-y5w_QKmHssdse5wiuuPlHEmqZEVGU92J92FgtsXxPdoahUqDypdtvS_yJFiQRieneOT1ILxh69mP9wwJOV-gmyYjVbb_P12r-B1D1H3ElJQcbqL4HeMn/?imgmax=800

© Lya Luft
In: Pra não dizer adeus, 2005
Arte: Steve Hanks

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHY9u40NUJKBSmyKItL70ZrJx-y5w_QKmHssdse5wiuuPlHEmqZEVGU92J92FgtsXxPdoahUqDypdtvS_yJFiQRieneOT1ILxh69mP9wwJOV-gmyYjVbb_P12r-B1D1H3ElJQcbqL4HeMn/?imgmax=800
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