quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Claude_Monet_Impression_soleil_levant_1872 
                                                   Claude Monet

ONDE ME LEVAS, RIO QUE CANTEI
EUGÉNIO DE ANDRADE

Onde me levas, rio que cantei,
esperança destes olhos que molhei
de pura solidão e desencanto?
Onde me leva?, que me custa tanto.

Não quero que conduzas ao silêncio
duma noite maior e mais completa.
com anjos tristes a medir os gestos
da hora mais contrária e mais secreta.

Deixa-me na terra de sabor amargo
como o coração dos frutos bravos.
pátria minha de fundos desenganos,
mas com sonhos, com prantos, com espasmos.

Canção, vai para além de quanto escrevo
e rasga esta sombra que me cerca.
Há outra fase na vida transbordante:
que seja nessa face que me perca.


[Onde me levas, rio que cantei - Eugénio de Andrade]

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