sábado, 11 de maio de 2019
MINHA MÃE
Vinicius de Moraes


Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora. Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fronte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.

Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão, que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu.

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Dize que eu parta, ó mãe, para a saudade.
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.
 hummingbirdredrose[1]
© VINÍCIUS DE MORAES
In: O caminho para a distância, 1933
Arte: Lee Bogle
hummingbirdredrose[1]
sábado, 27 de abril de 2019

PARA UMA MENINA COM UMA FLOR
Vinícius de Moraes

Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, que aliás você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.

E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras. E porque você quando sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua d.d.c. para o meu cotidiano e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre num nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, como uma santa moderna, e anda lento, a fala em 33 rotações mas sem ficar chata. E porque você é uma menina com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der aquela paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.

E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta mas não concorda porque é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que tem medo de ver a Cara- na-Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando. E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.

E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que as outras mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vê. E porque você é a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, "Minha namorada", a fim de que, quando eu morrer, você se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse, cantando sem voz aquele pedaço em que eu digo que você tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois.

E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora - tão purinha entre as marias-sem-vergonha - a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nestas montanhas recortadas pela mão presciente de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa. E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos - eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão, de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfeitando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações - porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor.

13-1
© Vinícius de Moraes
In: Para uma menina com uma flor, 1966
Arte: Vladimir Volegov
13-1
sexta-feira, 26 de abril de 2019

MORRER DE AMOR
Maria Teresa Horta


Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso

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Maria Teresa Horta
In: Destino, 1998
Arte: Ron Hicks
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terça-feira, 23 de abril de 2019


4-2
quinta-feira, 18 de abril de 2019

SONETO DO SONO
Ruy Espinheira Filho


A tarde é tão serena que parece
vir do hálito que sobe do teu sono.
Vejo-te ir nas nuvens do abandono,
comovido de calma. A tarde desce

ao longe, sobre o mar. Mas lenta e leve,
como a exalar o sonho desse sono.
E tudo, enfim, é o sopro do abandono
e o seu sussurrar na mão que escreve.

Dormes como num voo. Como se fosse
quando o tempo era jovem. E então me sinto
pleno de mar e luz e céu  ̶  e sou

soberbo e claro por estar absorto
no abandono desse pó de estrelas
que se juntou para inventar teu corpo.


barrinha_5

© Ruy Espinheira Filho
In: Estação infinita e outras estações - poesia reunida, 2012
Arte: Richard Macneil

barrinha_5
terça-feira, 16 de abril de 2019

XII
Natália Correia


Pássaro breve
Rompendo a chuva caída
Na minha melancolia.

Ave voando
Na chuva que vai caindo
Em mim sem cair no dia.

Pássaro leve
Cantando o sol que amanhece
Na noite que me entristece.

barrinhas1
© Natália Correia
In: Rio de Nuvens, 1947
Arte: Osiris Rain
barrinhas1
sábado, 13 de abril de 2019

O RIO
Vinícius de Moraes


Uma gota de chuva
A mais, e o ventre grávido
Estremeceu, da terra.
Através de antigos
Sedimentos, rochas
Ignoradas, ouro
Carvão, ferro e mármore
Um fio cristalino
Distante milênios
Partiu fragilmente
Sequioso de espaço
Em busca de luz.

Um rio nasceu.


© Vinícius de Moraes
In: Antologia Poética, 1954
Arte: Marion Rose

quarta-feira, 10 de abril de 2019

CARTA A UM AMOR
Lindolf Bell


Poderias deixar de ter sido
o deslumbramento para mim?
Responde-me: é preciso justificar.
Olhei em teus olhos e falei:
eis a minha morada.

Ah! O mistério, o mistério foi suficiente
para conter-nos.
Mas entre as múltiplas tendências
te escolhi
e te ampliei.

Um cavalo desenfreado correu-me
quando tuas mãos floriram sobre mim.
Tentei amar o irreversível
mas o que se descobre
ou cresce
ou se lega
ou perde equilíbrio e força.
Pelas bordas das coisas
se perdem os excessos
e meu coração foi tanto
quanto um coração pode ser.

Não. Não quero extravasar
de ti os outros,
mas quero ser o eleito.

Jamais nos é possível entrever,
porque o que há em nós
suspeita apenas,
e o que vem para nós
não nos pertence com facilidade.

Poderias deixar de ter sido
o deslumbramento para mim?
Ainda que respondesses, sim,
não o poderia aceitar.
Olhei em teus olhos e falei:
eis a minha morada.

3-2
© Lindolf Bell
In: Convocação, 1965
Arte: Max Ginsburg
3-2
terça-feira, 9 de abril de 2019


1891. Um ano após o suicídio de Vincent Van Gogh, Armand Roulin (Douglas Booth) encontra uma carta por ele enviada ao irmão Theo, que jamais chegou ao seu destino. Após conversar com o pai, carteiro que era amigo pessoal de Van Gogh, Armand é incentivado a entregar ele mesmo a correspondência. Desta forma, ele parte para a cidade francesa de Arles na esperança de encontrar algum contato com a família do pintor falecido. Lá, inicia uma investigação junto às pessoas que conheceram Van Gogh, no intuito de decifrar se ele realmente se matou.

Saiba mais sobre o filme

OBS.: Infelizmente a reprodução em outros sites foi desativada pelo proprietário do vídeo.  Clique no link e assista diretamente no Youtube: Com amor, Van Gogh
domingo, 7 de abril de 2019

O ÚNICO CAMINHO
Vinícius de Moraes


No tempo em que o Espírito habitava a terra
E em que os homens sentiam na carne a beleza da arte
Eu ainda não tinha aparecido.
Naquele tempo as pombas brincavam com as crianças
E os homens morriam na guerra cobertos de sangue.
Naquele tempo as mulheres davam de dia o trabalho da palha e da lã
E davam de noite, ao homem cansado, a volúpia amorosa do corpo.

Eu ainda não tinha aparecido.

No tempo que vinham mudando os seres e as coisas
Chegavam também os primeiros gritos da vinda do homem novo
Que vinha trazer à carne um novo sentido de prazer
E vinha expulsar o Espírito dos seres e das coisas.

Eu já tinha aparecido.

No caos, no horror, no parado, eu vi o caminho que ninguém via
O caminho que só o homem de Deus pressente na treva.
Eu quis fugir da perdição dos outros caminhos
Mas eu caí.
Eu não tinha como o homem de outrora a força da luta
Eu não matei quando devia matar
Eu cedi ao prazer e à luxúria da carne do mundo.
Eu vi que o caminho se ia afastando da minha vista
Se ia sumindo, ficando indeciso, desaparecendo.
Quis andar para a frente.
Mas o corpo cansado tombou ao beijo da última mulher que ficara.

Mas não.
Eu sei que a Verdade ainda habita minha alma
E a alma que é da Verdade é como a raiz que é da terra.
O caminho fugiu dos olhos do meu corpo
Mas não desapareceu dos olhos do meu espírito
Meu espírito sabe...
Ele sabe que longe da carne e do amor do mundo
Fica a longa vereda dos destinados do profeta.
Eu tenho esperanças, Senhor.
Na verdade o que subsiste é o forte que luta
O fraco que foge é a lama que corre do monte para o vale.
A águia dos precipícios não é do beiral das casas
Ela voa na tempestade e repousa na bonança.
Eu tenho esperanças, Senhor.
Tenho esperanças no meu espírito extraordinário
E tenho esperança na minha alma extraordinária.
O filho dos homens antigos
Cujo cadáver não era possuído da terra
Há de um dia ver o caminho de luz que existe na treva
E então, Senhor
Ele há de caminhar de braços abertos, de olhos abertos
Para o profeta que a sua alma ama mas que seu espírito ainda não possuiu.


(Rio de Janeiro , 1933)
barrinhas1
© Vinícius de Moraes
In: O caminho para a distância, 1933
Arte: Viktor Yushkevich
barrinhas1

RETRATO
Marly de Oliveira


Deixei em vagos espelhos
a face múltipla e vária,
mas a que ninguém conhece
essa é a face necessária.

Escuto quando me falam,
de alma longe e rosto liso,
e os lábios vão sustentando
indiferente sorriso.

A força heróica do sonho
me empurra a distantes mares,
e estou sempre navegando
por caminhos singulares.

Inquiri o mundo, as nuvens
o que existe e não existe,
mas, por detrás das mudanças,
permaneço a mesma, e triste.


hummingbirdredrose[1]
© Marly de Oliveira
In: Cerco da Primavera, 1958
Arte: Nydia Lozano
hummingbirdredrose[1]
quarta-feira, 27 de março de 2019

ESCOLHA
Lya Luft


Apesar do medo
escolho a ousadia.
Ao conforto das algemas, prefiro
a dura liberdade.
Vôo com meu par de asas tortas,
sem o tédio da comprovação.

Opto pela loucura, com um grão
de realidade:
meu ímpeto explode o ponto,
arqueia a linha, traça contornos
para os romper.

Desculpem, mas devo dizer:
eu
quero o delírio.


https://lh5.ggpht.com/_0fWuOJ4C7HQ/TbvDpY9cvhI/AAAAAAAAC7g/P592Q7leZFg/____d011ge5_divider%5B1%5D_thumb%5B1%5D.gif?imgmax=800

© Lya Luft
In: Pra não dizer adeus, 2005
Arte: Steve Hanks

https://lh5.ggpht.com/_0fWuOJ4C7HQ/TbvDpY9cvhI/AAAAAAAAC7g/P592Q7leZFg/____d011ge5_divider%5B1%5D_thumb%5B1%5D.gif?imgmax=800
terça-feira, 26 de março de 2019

DE AMARELO
Deborah Brennand


Hoje devo me vestir de amarelo:
espantar os olhos negros da solidão,
tal a luz do girassol de ouro dourado
que abre pétalas iluminando nuvens.

Quem saberá (nem ela mesma) o artifício
usado para enganá-la? Sonhos? Jardins?
Não digo. Hoje me visto de amarelo
e vou, nos ramos, entoar da ave o canto.

Quero espantar olhos de solidão
que vem das grutas e abandona montes
para comer a relva rubra do meu coração.
Mas hoje, de amarelo, espantarei a fera

Fugindo, à procura de outra vítima:
Quem sabe, a mata?


hummingbirdredrose[1]

© Deborah Brennand
In: Poesia reunida, 2007
Arte: Albert Lynch

hummingbirdredrose[1]
segunda-feira, 11 de março de 2019
O VENTO
Dora Ferreira da Silva


Na palma do vento
pouso a fronte. Nele confio.
A quem confiaria senão a ele
este rude labor?

Abandono-me à tormenta
(lumes mastros
gaivotas do mar próximo).

Enreda-me a noite.
Mas dele são os dedos leves
que me fecham os olhos. E é manhã.

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In: Jardins (Esconderijos), 1979
Arte: Ronny (photographer)

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domingo, 10 de março de 2019

SONETO DE FIDELIDADE
Vinícius de Moraes


De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

barrinhas1 
Estoril, outubro de 1939

In: Poemas, sonetos e baladas, 1946
Arte: Jeff Rowland (lovers stroll)
barrinhas1
10/03/1927
10/09/2018
Hoje D. Rosa faz 92 anos de nascimento e 6 meses de renascimento. Cuidou, com muito zelo, do seu jardim enquanto aqui esteve: 8 sementinhas que ela transformou em árvores de bons frutos. Agora ela ajuda a cuidar dos Jardins de Deus, com o mesmo zelo e amor.
A sua bênção, minha mãe! Amor Infinito
🙏 ❤️💙💜
 
Essa imagem é do seu jardim, que hoje já não dá mais flores... morreram todas de saudade.
❤️ 💙💜
sábado, 9 de março de 2019

O TREM QUE TRAZ A NOITE
Flora Figueiredo


O que faz essa tarde luminosa
descartar o lírio,
aborrecer a rosa?

É que o trem que traz a noite
está atrasado.
A tarde quer encontrar seu namorado
e não tem quem deixar em seu lugar.

Se o trem que traz a noite
não chegar,
há de haver bastante alteração:

O dia vai ficar bem mais comprido
e acabar pisando no vestido
da manhã de amanhã
que aguarda a vez.

Quando o trem que traz a noite
vir o que fez,
vai tratar de acertar a sua hora,
pois um trem que se preza
não demora
no vai-e-vem que vem e vai
de lá pra cá.

Ninguém segura a paixão abrasadora
entre uma tarde luminosa e um sabiá.


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In: O trem que traz a noite, 2001
Arte: Jeff Rowland
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sexta-feira, 8 de março de 2019

MAR ABSOLUTO
Cecília Meireles

Foi desde sempre o mar,
E multidões passadas me empurravam
como o barco esquecido.

Agora recordo que falavam
da revolta dos ventos,
de linhos, de cordas, de ferros,
de sereias dadas à costa.

E o rosto de meus avós estava caído
pelos mares do Oriente, com seus corais e pérolas,
e pelos mares do Norte, duros de gelo.

Então, é comigo que falam,
sou eu que devo ir.
Porque não há ninguém,
tão decidido a amar e a obedecer a seus mortos.

E tenho de procurar meus tios remotos afogados.
Tenho de levar-lhes redes de rezas,
campos convertidos em velas,
barcas sobrenaturais
com peixes mensageiros
e cantos náuticos.

E fico tonta.
acordada de repente nas praias tumultuosas.
E apressam-me, e não me deixam sequer mirar a rosa-dos-ventos.
"Para adiante! Pelo mar largo!
Livrando o corpo da lição da areia!
Ao mar! - Disciplina humana para a empresa da vida!"
Meu sangue entende-se com essas vozes poderosas.
A solidez da terra, monótona,
parece-mos fraca ilusão.
Queremos a ilusão grande do mar,
multiplicada em suas malhas de perigo.

Queremos a sua solidão robusta,
uma solidão para todos os lados,
uma ausência humana que se opõe ao mesquinho formigar do mundo,
e faz o tempo inteiriço, livre das lutas de cada dia.

O alento heróico do mar tem seu pólo secreto,
que os homens sentem, seduzidos e medrosos.

O mar é só mar, desprovido de apegos,
matando-se e recuperando-se,
correndo como um touro azul por sua própria sombra,
e arremetendo com bravura contra ninguém,
e sendo depois a pura sombra de si mesmo,
por si mesmo vencido. É o seu grande exercício.

Não precisa do destino fixo da terra,
ele que, ao mesmo tempo,
é o dançarino e a sua dança.

Tem um reino de metamorfose, para experiência:
seu corpo é o seu próprio jogo,
e sua eternidade lúdica
não apenas gratuita: mas perfeita.

Baralha seus altos contrastes:
cavalo, épico, anêmona suave,
entrega-se todos, despreza ritmo
jardins, estrelas, caudas, antenas, olhos, mas é desfolhado,
cego, nu, dono apenas de si,
da sua terminante grandeza despojada.

Não se esquece que é água, ao desdobrar suas visões:
água de todas as possibilidades,
mas sem fraqueza nenhuma.

E assim como água fala-me.
Atira-me búzios, como lembranças de sua voz,
e estrelas eriçadas, como convite ao meu destino.

Não me chama para que siga por cima dele,
nem por dentro de si:
mas para que me converta nele mesmo. É o seu máximo dom.
Não me quer arrastar como meus tios outrora,
nem lentamente conduzida.
como meus avós, de serenos olhos certeiros.

Aceita-me apenas convertida em sua natureza:
plástica, fluida, disponível,
igual a ele, em constante solilóquio,
sem exigências de princípio e fim,
desprendida de terra e céu.

E eu, que viera cautelosa,
por procurar gente passada,
suspeito que me enganei,
que há outras ordens, que não foram ouvidas;
que uma outra boca falava: não somente a de antigos mortos,
e o mar a que me mandam não é apenas este mar.

Não é apenas este mar que reboa nas minhas vidraças,
mas outro, que se parece com ele
como se parecem os vultos dos sonhos dormidos.
E entre água e estrela estudo a solidão.

E recordo minha herança de cordas e âncoras,
e encontro tudo sobre-humano.
E este mar visível levanta para mim
uma face espantosa.

E retrai-se, ao dizer-me o que preciso.
E é logo uma pequena concha fervilhante,
nódoa líquida e instável,
célula azul sumindo-se
no reino de um outro mar:
ah! do Mar Absoluto.

flor13
In: Mar Absoluto, 1945
Arte:  James Griffin

flor13

quarta-feira, 6 de março de 2019

Este vídeo é para uma Professora muito amada!
Feliz Aniversário, Rita de Cássia!
Nós - eu e a poesia - amamos você!



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