sábado, 4 de outubro de 2008
estrelas_Al_Magnus
Imagem: Al Magnus

Chico Risada vendia amendoim pra ajudar os pais, que ganhavam pouco na fábrica, mas era o menino mais alegre da rua, talvez da cidade. Mesmo quando a venda do amendoim não ia bem ou era maltratado por um freguês nervoso, não parava de cantar, de estar sempre brincando. E se lhe perguntavam por que aquela tanta alegria, respondia com um sorriso que mostrava os dentes
cariados de menino pobre.
- Porque tenho um raio de Sol.
Os outros meninos não entendiam muito bem essa resposta e o Salustiano, cheio de bossa pra inventar coisas, chegava a dizer que certa madrugada o Chico Risada estava na praia esperando o Sol nascer.
- Vai ver que foi nessa madrugada que ele apanhou o raio de Sol.
Um dia o bairro acordou triste. No terreno abandonado onde os garotos jogavam pelada iam levantar um prédio de oitenta andares. Pra espantar a tristeza, que deixava muito menino chorando, Salustiano teve uma grande idéia:
- Vamos pedir emprestado o raio de Sol ao Chico Risada. Assim ninguém morre de tristeza, e ninguém morrendo de tristeza a gente arranja outro lugar pra pelada.
Chico Risada não emprestou o que os meninos queriam, mas deu uma lição que adiantou muito.
- Eu não posso emprestar o raio de Sol a vocês porque ele não está guardado num armário, numa gaveta.
- Então onde é que ele está? Você diz sempre que é alegre porque tem um raio de Sol. Nós queremos só um pouquinho dele.
- Vocês não entenderam direito o que eu quis dizer. Eu canto, eu estou sempre alegre... Mas não é porque tenho um raio de Sol me dando essa alegria. É ao contrário. Eu tenho um raio de Sol justamente porque vivo cantando, sempre alegre. Todos nós devemos ter esse raio de Sol dentro da gente. Eles querem ver a gente triste. Mas nós não damos confiança e vamos arranjar um lugar pra pelada. Nós temos um raio de Sol.

[O Menino Que Tinha Um Raio de Sol - Mário Lago]

Frith_William_Powell_The_Signal
                          Imagem: Frith William Powell


Houve um poema,
entre a alma e o universo.
Não há mais.
Bebeu-o a noite, com seus lábios silenciosos.
Com seus olhos estrelados de muitos sonhos.

Houve um poema:
Parecia perfeito.
Cada palavra em seu lugar,
como as pétalas nas flores
e as tintas no arco-íris.
No centro, mensagem doce
E intransmitida jamais.

Houve um poema:
e era em mim que surgia, vagaroso.
Já não me lembro, e ainda me lembro.
As névoas da madrugada envolvem sua memória.
É uma tênue cinza.
O coral do horizonte é um rastro de sua cor.
Derradeiro passo.

Houve um poema.
Há esta saudade.
Esta lágrima e este orvalho - simultâneos -
que caem dos olhos e do céu.

[Houve um poema - Cecilia Meireles]

Charles_Courtney_Curran_Fair_Critics  
           Imagem: Charles Courtney Curran

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos…
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo…
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida…
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato…
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.
[Presença - Mario Quintana]
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