sexta-feira, 31 de agosto de 2012

SAUDADE TRÔPEGA
José Bernardes

Saudade são aquelas casas que um dia o coração habitou
e onde agora pousam os olhares
movidos por pássaros de canto frágil

Saudade são aquelas árvores despidas de folhas
que migraram ondulando nos ventos
dos estios desérticos das palavras gastas

Saudade são as marés fechadas na concha da mão
vislumbre da música eterna cantada pelas gaivotas

Ah as gaivotas
essas não sofrem de saudade
criadoras da fronteira da terra e do mar
desenham no limite da maré
linha onde descalço tropeço
a espumosa melancolia das ondas

Saudade são as pegadas deixadas na areia
vultos de pés perdidos que em breve
trôpegos de maré e vinho
se abandonam à tristeza da fronteira dos pássaros.

Coração vermelho 

José Bernardes
In Palavras imóveis

Imagem: Childe Hassam

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

TENHO UM POEMA POUSADO NO VESTIDO E NÃO SEI SE VOLTAS
Maria do Rosário Pedreira


Tenho um decote pousado no vestido e não sei se voltas,
mas as palavras estão prontas sobre os lábios como
segredos imperfeitos ou gomos de água guardados para o verão.
E, se de noite as repito em surdina, no silêncio
do quarto, antes de adormecer, é como se de repente
as aves tivessem chegado já ao sul e tu voltasses
em busca desses antigos recados levados pelo tempo:

Vamos para casa? O sol adormece nos telhados ao domingo
e há um intenso cheiro a linho derramado nas camas.
Podemos virar os sonhos do avesso, dormir dentro da tarde
e deixar que o tempo se ocupe dos gestos mais pequenos.

Vamos para casa. Deixei um livro partido ao meio no chão
do quarto, estão sozinhos na caixa os retratos antigos
do avô, havia as tuas mãos apertadas com força, aquela
música que costumávamos ouvir no inverno. E eu quero rever
as nuvens recortadas nas janelas vermelhas do crepúsculo;
e quero ir outra vez para casa. Como das outras vezes.

Assim me faço ao sono, noite após noite, desfiando a lenta
meada dos dias para descontar a espera. E, quando as crias
afastarem finalmente as asas da quilha no seu primeiro voo,
por certo estarei ainda aqui, mas poderei dizer que, pelo
menos uma ou outra vez, já mandei os recados, já da minha
boca ouvi estas palavras, voltes ou não voltes.

 

Rosa vermelha

© Maria do Rosário Pedreira
In 366 poemas que falam de amor, 2003

imagem: Jack Vettriano

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

FUGITIVA
Elza Fraga


Estou aqui
de novo
estenda a mão e sinta
meu aconchego
meu cheiro
meu desassossego
minhas inconstâncias
minha ânsia
de voar,

de fugir do pesadelo
onde não estás
pra encontrar
tua presença
que nunca arribou.

Só eu
ave tardia
presa do inverno
fugi pro inferno
escaldei as asas
atrás do calor.

Calor que sempre esteve aqui.

Então apenas
estenda a mão
e me engaiole enfim

e finja que nunca parti
fugindo

de mim.

Red rose

© Elza Fraga
In Tempo in-verso (blog)
Link: http://goo.gl/9YdST

Mais da autora na Voz da Poesia 

imagem: Jenedy Paige

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

maosdadas2

CANTO E ENCANTO-ME
Daniela S. Pereira

Esta noite
entrelacei os meus dedos
nos teus dedos,
desvendei os teus segredos
e no teu corpo
compus uma canção.

Canto,
e encanto-me com o teu canto,
enquanto a luz da Lua,
no teu corpo deixa um manto
em testemunho da nossa união.

Red heart

In com alma e olhar, 2012
comalmaeolhar.blogspot.com.br

imagem: Google image

terça-feira, 14 de agosto de 2012
A internet está menos perfumada e menos risonha sem o “CHEIRO DE FLOR QUANDO RI”. coração partido
Fechou o seu blog Ana Jácomo, uma das mais brilhantes escritoras desse país, que inundou a internet com o seu talento, a sua poesia, as suas belíssimas crônicas e a sua rica prosa poética. Visitar o seu jardim era um hábito diário, buscar na fonte o perfume para continuar o dia sentindo cheiro de flor quando ri.
Seu texto repleto de poesia encantou a todos. Coloque nos motores de busca o nome “Ana Jácomo” e você terá uma pequena noção do que estou dizendo (só no Google encontrei 1.520.000 referências!).
Para os amigos do blog ficou por alguns dias uma despedida, sem direito a comentários (que estava desativado), texto que reproduzo:
28/05/12 01:14
Felicidade pra todos!
de Ana Jácomo
Criei este blog num período muito especial da minha vida, quando, depois de tantos anos sem escrever, voltei a fazer contato com a possibilidade de expressão por meio da escrita. Eu vinha de um tempo‚ sofrido e era um momento promissor, grandioso, quando buscava meios, caminhos, recursos, dedicada, para desfrutar do melhor de mim que pudesse trazer à tona. Para lidar mais amorosamente com os outros. Para viver com mais confiança, leveza e coração.
Criei este blog com um bocado de amor e foi com amor, também com prazer, que o mantive durante os últimos anos. Este foi um espaço que inventei para me expressar e também compartilhar, por meio dos textos, percepções, sentimentos, olhares, todos meus, que não precisavam necessariamente fazer sentido pra quem quer que fosse, mas que estavam disponíveis pra quem quisesse passear por aqui. Pra quem gostasse do lugar. Pra quem gostasse de voltar.
Foi uma experiência inédita, rica, preciosa. Hoje, com muita gratidão, eu me despeço. Um ciclo se fechou na minha vida e tenho clareza de que o exercício praticado aqui foi finalizado. Não voltarei a escrever neste espaço, e ainda nem vislumbro os novos caminhos que certamente me encontrarão, mas não sou capaz de apagar o que foi escrito, o blog será mantido com todo o seu histórico. Tudo isto me diz muito, diz muito de mim, diz muito do chão percorrido para chegar ao momento presente, passo a passo. É valioso.
É meu desejo sincero que cada um de vocês seja feliz, tanto quanto desejo ser.
Luz e Amor!
Ana Jácomo
A promessa não foi cumprida e o blog foi desativado. Contato com Ana Jácomo? Impossível, ao menos pra mim – seus e-mails são devolvidos com a mensagem que o endereço não existe.
Mas a sua página no site A Voz da Poesia será mantida ─ e alimentada ─ com muito amor.

Ana Jácomo na Voz da Poesia
www.avozdapoesia.com.br/anajacomo
domingo, 12 de agosto de 2012

FELIZ DIA DOS PAIS!
MÃE, FELIZ DIA DOS PAIS!

AS MÃOS DE MEU PAI
Mário Quintana

As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos...

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...

Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.

E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas...
essa chama de vida — que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma...

Gift with a bowPointing up

imagem da internet, by Google

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A LUA NO CINEMA
Paulo Leminsky


A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
— Amanheça, por favor!

Sleeping half-moon Star

© Paulo Leminsky
In Distraído Venceremos, 1987

imagem by Google

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