sexta-feira, 3 de abril de 2009
Insonia
                             imagem da internet

INSÔNIA
Manuel Antonio Pina


O dia entra no quarto
pela janela fechada
apagando as sombras onde
a alma se ocultava.

Aproximam-se as horas do silêncio
e do ruído, e fico só de novo.
Abro a janela e fecho alguma coisa
(provavelmente a infância) dentro d’alma. 

Talvez não passe tudo de memória,
de coisas de que alguém se recordasse,
a minha vida, os dias e as noites,
e a minha própria infância me faltasse. 

Talvez eu seja um vago sentimento
mal aflorando o coração d’alguém
à hora breve em que o dia vem
em algum sítio só de pensamento. 

Lá fora ouvem-se vozes acordando,
motores em marcha vibram, a luz arde,
e aos poucos a vida vai ficando
sensação e exterioridade. 

No quarto ao lado as filhas falam alto.
E dou comigo procurando rimas.
— E a alma? — Mas por esta altura
já tudo e eu próprio somos literatura... 


poetica e cotidiana

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