quarta-feira, 24 de junho de 2009

Assinaturas conflitantes
Textos erroneamente atribuídos a escritores famosos circulam pela internet, causando constrangimentos e mal-entendidos

Martha Mendonça, do Rio

livro1

                            Imagem da internet via Google

Numa crítica à intenção do presidente George W. Bush de invadir o Iraque, a cantora e militante do Partido Democrata Barbra Streisand fez um discurso em Washington do qual teve de se retratar. Ela citou um texto, que atribuiu ao dramaturgo inglês William Shakespeare, sobre os equívocos de um líder incapaz de 'mensurar o direito dos cidadãos'. Acontece que Shakespeare jamais escreveu tais palavras. No dia seguinte, diante da polêmica nos jornais, a cantora se desculpou: ela havia lido o trecho na internet e acreditara que fazia parte da peça Júlio César.

Não seria justo crucificá-la. Todos os dias circulam em sites e e-mails textos atribuídos erroneamente - de propósito ou não - a autores famosos. Entre os escritores brasileiros, o cineasta e colunista Arnaldo Jabor já se acostumou à contrafação. Com freqüência, é dele a falsa assinatura de textos agressivos que correm pela rede ofendendo celebridades. O último alvo foi a apresentadora Adriane Galisteu. O ex-big brother Kleber Bam Bam também teria sido criticado por Jabor. Tudo invenção. 'Procuram imitar meu estilo, mas são maniqueístas', diz Jabor, que usa suas colunas - publicadas pelos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo - para desmentir as lorotas. Luis Fernando Verissimo é outra vítima dos piratas da internet. 'Fiquei mal com os goianos depois que um texto com meu nome circulou por aí criticando a música sertaneja e tudo o que vinha de Goiás. Houve outro, sobre dor de barriga, escatológico mas inofensivo', diz.

'Os falsários tentam imitar meu estilo de texto, mas são tão maniqueístas que os que me conhecem bem sabem que não fui eu que escrevi' (ARNALDO JABOR, cronista e cineasta)

A escritora e poeta gaúcha Martha Medeiros sofre com outro tipo de equívoco. Muitos textos seus têm saído na internet com a assinatura de importantes nomes da literatura. Sua crônica 'Felicidade Realista' foi atribuída a Mario Quintana. Só quem não conhece o estilo do falecido poeta acredita na farsa, pois o texto traz termos atuais, como 'corpos sarados' e 'spa cinco-estrelas'. Outra crônica de Martha, 'A Morte Devagar', ganhou a rubrica do chileno Pablo Neruda. 'Poderia ficar lisonjeada, mas é um absurdo', diz ela.

Algumas histórias já se tornaram clássicas. Há dois anos, uma enxurrada de e-mails se alastrou pela América Latina dando conta de um adeus do escritor colombiano Gabriel García Márquez. Sofrendo de câncer, o autor de Cem Anos de Solidão despedia-se da vida enumerando as últimas máximas sobre a existência humana. Muita gente chorou. Mas Gabo, Nobel de Literatura de 1982, está vivinho da silva até hoje - apesar do câncer. Chegou a convocar a imprensa para negar a autoria. 'O que pode me matar não é o câncer, mas a vergonha de que alguém acredite que eu escrevi algo tão cafona.'
[o texto se chama La Marioneta, de  Johnny Welch, ventríloquo]

Alguns textos, como o atribuído a García Márquez, são crueldade pura, como os boatos e fofocas convencionais. Outros seguem a linha de auto-ajuda. Com isso, passam de mão em mão - ou de tela em tela - rapidamente. Recentemente, um e-mail supostamente escrito pela atriz Patrícia Pillar informava que ela fora vítima de um erro de diagnóstico - e descobriu o câncer de mama tardiamente. O e-mail, na verdade, era um texto truncado de outra vítima da doença, que escrevera comentários sobre uma entrevista de Patrícia.

'Já recebi muito elogio por textos que jamais escrevi. Não podemos fazer muita coisa contra isso. Por que os autores não assinam logo o que escrevem? Talvez ficassem famosos'  (LUIS FERNANDO VERISSIMO, cronista, cartunista e escritor)

Autores anônimos assinam seus textos com nomes famosos para dar peso e credibilidade à divulgação. A quantidade de informação que circula na rede é gigantesca - e o aval de uma celebridade é garantia de leitura. Segundo o Departamento de Energia dos Estados Unidos, que tem técnicos especializados em estudar a boataria na internet (em especial assuntos sobre vírus), se cada pessoa repassar um e-mail falso a dez outras, em questão de minutos pode-se chegar a 1 milhão de trotes na rede. E a internet - todo mundo sabe - é terra de ninguém.

Citações fraudulentas não são criação da rede mundial, porém. A rainha degolada Maria Antonieta, como se sabe, jamais disse 'Se não têm pão comam brioches', frase atribuída a ela pela tradição oral, mas, na verdade, proferida por um nobre francês cuja identidade se apagou na História. Autor da crônica 'Ter ou Não Ter Namorado', o senador Artur da Távola não consegue se livrar do fantasma de Carlos Drummond de Andrade rondando um texto seu, famoso entre as adolescentes dos anos 80. A crônica em questão foi misteriosamente publicada em jornal como uma relíquia deixada por Drummond. Távola fez o desmentido, mas o erro estava eternizado. Há dois anos, no Dia dos Namorados, a crônica foi lida num programa de rádio, de novo atribuído a Drummond. Távola voltou a reclamar. É só chegar mais um Dia dos Namorados para o engano se repetir. O incidente, claro, foi parar na internet. No site da Universidade Federal do Espírito Santo, 'Ter ou Não Ter Namorado' tem a grife de Drummond, e ponto final. 'Resta dizer que, se fosse o contrário, a heresia seria muito maior', diz Távola, zombando da própria modéstia.

Fonte:
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT435457-1664-2,00.html

0 comentários:

Related Posts with Thumbnails

Poética

Poesias

Poetas

Vídeos

A Voz aqui

A Poética dos Amigos

Pesquisar neste blog

Rádio

Arquivos